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Bartolomeu Cid dos Santos - O Mundo Gravado num Papel



"Miguel Matos relembra o mestre gravador Bartolomeu Cid dos Santos, em exposição antológica no Centro de Arte Manuel de Brito. 

É inaugurada esta semana a exposição dedicada a Bartolomeu Cid dos Santos, a quem o jornal britânico The Guardian se referiu como “o artista que encontrou a liberdade em Londres e a fama em Portugal”. Eis a homenagem ao grande vulto da gravura portuguesa, artista de fama internacional, professor e amigo do coleccionador Manuel de Brito.Apesar de desaparecido há dois anos, a obra de Bartolomeu Cid dos Santos apresenta-se viva por ter inspirado outros grandes nomes da gravura como David de Almeida e Paula Rego, sua aluna. “Em Londres, tinha uma relação privilegiada com os alunos, que rapidamente ficavam amigos para a vida. Era o professor que, como dizia, ensinava tudo quanto sabia. Essa relação de cerca de 40 anos com jovens de todo o mundo levou-o a fazer cursos do Canadá e dos EUA à China, ao Paquistão, ao Iraque”, conta Maria Arlete Alves da Silva, comissária da exposição.

Apesar de leccionar durante grande parte da sua vida em Londres, de 1961 a 1996, na Slade School of Art, Bartolomeu nunca cortou as raízes com Portugal. Expunha regularmente por cá e regressou finalmente, após longo período de ausências intermitentes. Durante toda a vida, uma atitude de bon vivant, uma extensa bagagem cultural e a preocupação constante com o estado do mundo fizeram dele uma personalidade marcante. Fascinado pelo negrume de Goya, e na senda das técnicas de gravura, Bartolomeu Cid dos Santos dedicou-se de início a interpretar as suas duas cidades: Londres e Lisboa – a dialéctica entre o escuro caos do smog gelado e a luminosidade quente de uma terra mediterrânica.
É uma dualidade de humores. Se por um lado discursa sobre a podridão de um clero obscuro, logo depois entra numa mitologia onírica em que fala de terras perdidas da Atlântida. Outros temas explorados foram o regime opressor de Salazar e, recuando nos séculos, a ousadia de dividir o mundo ao meio com o Tratado de Tordesilhas. No reverso, as gravuras dedicadas ao mar, à mulher, às praias e aos poetas.
Se de Andrei Tarkovsky a Jorge Luís Borges e Fernando Pessoa, toda uma abundância de influências eruditas é invocada em diversas séries, outras há em que são sereias os motivos de eleição. Mais tarde, denuncia o ataque americano ao Iraque, transformando os soldados em ratos destruidores e gananciosos. A sincronia com a vida leva-o a reinventar as suas linguagens plásticas, apropriando-se dos signos e estilos das manifestações da arte das ruas e paredes. Como disse aquando de uma exposição na Galeria 111, em 2001, “se devemos estar atentos e denunciar a agressão que hoje a todos os níveis nos rodeia, isso não nos impede de mergulhar no nosso mundo interior, onde poderemos encontrar uma outra, mais misteriosa, mas não menos perturbadora realidade”."


Time Out, 26 de Janeiro de 2010

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